
Dois anos atrás, em setembro de 2020, a Fiat recuperou a liderança de mercado, que tinha perdido no fim de 2015, e desde então não largou mais. À época, o lançamento da Strada revitalizou a marca e fez todos os seus números crescerem. Mas há uma diferença da liderança de hoje para a de 14 anos atrás — e essa diferença tem tudo a ver com as fusões e os SUVs.
A Fiat foi líder por 14 anos, de 2001 até 2015. Mas a liderança de hoje, iniciada dois anos atrás, é bem diferente daquela que acabou há sete anos, como mostra a comparação a seguir, feita a partir dos dados divulgados pela Fenabrave do período de janeiro até setembro de 2022, confrontados com o mesmo período do último ano de liderança da marca, em 2015.
Voltando também um pouco mais, para sete anos antes disso, em 2008, as coisas ficam ainda mais nítidas. Afinal, esses três períodos mostram fases distintas da Fiat: sozinha (2008), como Fiat Chrysler (2015) e dentro da Stellantis (2022).

Ganhando mais, mas perdendo
Nos últimos anos, a Fiat conseguiu, graças à Jeep, aumentar os seus preços médios ao mudar quase que completamente o perfil dos seus modelos, saindo dos populares e indo para segmentos mais caros.
Vejamos, para iniciar, os dados do ano de 2008, quando a marca estava \”sozinha\” no mercado, ou seja, sem marcas irmãs:

Como podemos observar, a gama da Fiat era composta praticamente de carros populares: seus três modelos mais vendidos eram o Palio (somado ao Palio Fire), o Uno e o Siena (somado ao Siena Fire), que juntos venderam sozinhos mais de 350 mil unidades.
Nesse cenário, o alto volume de vendas compensa o preço médio mais baixo — naquela época, apenas R$ 35.236 (hoje, corrigido pela inflação, R$ 79.801). O preço médio foi calculado a partir da versão mais barata de cada um dos modelos mais vendidos da marca.
Sendo assim, a Fiat vendia muito — e era líder tanto no segmento de automóveis (os veículos de passeio) quanto no de comerciais leves (as picapes, os furgões, as vans etc.), de modo equilibrado: 24,23% vs. 29,31%. Com isso, ela ficou com 24,85% do mercado de janeiro a setembro de 2008, o período em análise aqui.
Avançando sete anos no tempo, temos um cenário diferente, não apenas para a Fiat, mas para o mercado como um todo, que já dava sinais de queda:

Em 2015, a Fiat já era parte da FCA. A empresa italiana firmou uma parceria com o governo norte-americano e assumiu as operações da Chrysler em 2009, o que culminaria na fusão concluída em 2014. Embora a Fiat tenha se beneficiado muito desse casamento, quem mais ganhou foi a Chrysler, dona da Jeep, entre outras marcas.
O grupo americano estava sucateado e não tinha um tostão sequer para dar início a novos projetos. A Fiat chegou com postura humilde, ouviu os talentos da Chrysler e ofereceu a tecnologia necessária para salvar suas marcas emblemáticas.
Na verdade, a Fiat foi tão humilde que colocou a sua marca em segundo plano e optou por concentrar as energias na Jeep, com o objetivo de atender à tendência global de SUVs. Por um lado, isso seria benéfico e essencial para o cenário que vemos hoje: o aumento no preço médio dos carros do grupo. Por outro, a Fiat — como marca — entraria em uma grande crise, perderia a liderança de mercado e se desconectaria do consumidor brasileiro, pela demora em lançar novos projetos e… pela falta de SUVs.

Como vemos, hoje o preço médio dos carros mais vendidos do grupo Stellantis — que se formou a partir da fusão da FCA com PSA — é bem maior do que o de 14 anos atrás. Dos pouco mais de R$ 35 mil (ou menos de R$ 80 mil, quando corrigido pela inflação), hoje ultrapassa os R$ 110 mil. É claro que isso é um fruto direto do trio Renegade-Toro-Compass, que não teria surgido se não fosse a fusão com a Chrysler.
E olha que nem estamos colocando em jogo aqui a rentabilidade dos projetos ou considerando modelos ainda mais caros, como Commander. Também vale notar, mais uma vez, que o preço médio foi calculado com base nas versões de entrada — em muitos casos, a opção mais vendida é ainda mais cara, o que levaria os números para cima.
SUVs: Fiat de volta ao jogo
Mas o investimento na Jeep significou, no Brasil, a ausência do Fiat 500X, único SUV que a marca teve no mundo até a chegada do Pulse, no ano passado. Significou, também, a queda da Fiat, como marca, no segmento de automóveis, já que ela não tinha SUVs.
A fusão com a Chrysler, que colocou projetos da Fiat em espera, e o protagonismo da Jeep levaram a marca italiana a uma péssima terceira colocação no ranking de automóveis — hoje, a Fiat tem apenas 14,69% desse mercado, bem menos do que os 24,23% de 2008. Ela não é líder de vendas quando consideramos esse setor, ocupando geralmente a terceira colocação.

É aí que entram Pulse e Fastback: os tão aguardados SUVs da Fiat chegam para tentar reverter o quadro da marca no segmento de automóveis e colocá-la de volta em patamares melhores, quiçá na liderança de outrora, entre os veículos de passeio. Isso porque, hoje, o segmento de SUVs já é o mais importante do Brasil, representando 44,30% do mercado.
O mais notável é que esse segmento é aquele no qual as pessoas mais têm interesse, e a Fiat estava fora dele — não era nem mesmo considerada. Estar fora de uma parcela tão importante do mercado fez com que a marca fosse esquecida, esfriando a sua relação com os brasileiros. Além disso, o fracasso de Argo e Cronos como compactos premium também não ajudou.

O que salvou a Fiat durante esse período, além das vendas diretas — que não criam relacionamento direto com o consumidor final, apenas com empresas — , foi o seu sucesso com as picapes. Hoje, a marca tem mais de 50% do mercado de comerciais leves, graças às trajetórias exitosas de Strada e Toro. Porém, a concorrência vem aí: marcas como Chevrolet e Volkswagen preparam novidades, em especial a nova Montana, que podem diminuir esse percentual.
Em outras palavras, para manter a liderança, a Fiat não pode mais depender só das picapes: ela precisa crescer entre os automóveis. E são os SUVs que a levarão lá.