
Alguns meses atrás, uma decisão tomada pela Fiat na Europa chamou bastante atenção. Algumas pessoas acharam ela estranha; outras, detestaram; e tantas outras aplaudiram de pé a iniciativa da marca. A partir de então, a Fiat deixaria de vender carros da cor cinza nos mercados europeus.
A iniciativa, como compartilhei no Instagram do Três e Meio, não vale para o Brasil, de acordo com a assessoria de imprensa da marca. Na verdade, por aqui a situação é praticamente o oposto.

Com o anúncio das novas linhas 2024 de seus modelos brasileiros, a Fiat trouxe importantes novidades para carros como Strada, Toro, Pulse e Fastback. Entre elas, porém, está a ausência de cores.
A Fiat Toro, que no passado já teve tons de marrom, vinho, verde e azul em seu portfólio, ainda é uma das únicas opções da marca a contar com dois tons “coloridos” em sua gama. A picape, hoje, pode ser adquirida nas cores Vermelho Colorado (sólido) e Azul Jazz (metálico) — esta, disponível apenas a partir da versão intermediária Volcano, já que as de entrada Endurance e Freedom não contam com a opção.

Todas as outras cores disponíveis são variações de branco, cinza ou preto: Granite Crystal (cinza metálico), Preto Carbon (metálico), Prata Billet (metálico), Branco Polar (perolizado) e Cinza Sting (sólido especial).
Mas a situação fica ainda pior com os outros modelos da marca. Na maior parte da gama, como em Mobi, Argo, Cronos e Strada, a única cor que foge da paleta preta-e-branca é o Vermelho Montecarlo (sólido). As demais opções são: Preto Vulcano (sólido), Branco Banchisa (sólido), Cinza Silverstone (metálico) e Prata Bari (metálico). Parece até que voltamos à época do Ford T!

Na linha 2024 do Pulse, a marca tomou a decisão de tirar de linha o belo Azul Amalfi, ou seja, a única cor além do Vermelho Montecarlo disponível em toda a gama da Fiat, além dos tons já citados da Toro ou do Verde Oceano do Fiat 500e, exclusivos desses modelos.
Até então, o Azul Amalfi era uma cor exclusiva do Pulse. Apesar da boa recepção, esse tom, introduzido no lançamento do SUV da Fiat, não foi levado a outros modelos da marca, a princípio porque pesquisas de mercado teriam indicado que isso não faria sentido.
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Outro caso peculiar é do Fiat Fastback, que, apesar do estilo todo ousado de SUV coupé, perdeu na linha 2024 a única cor que tinha disponível até então — o Vermelho Montecarlo. O tom era oferecido apenas na versão Limited Edition Powered by Abarth, que foi reposicionada neste ano/modelo e perdeu o apelo esportivo. Eis, então, o motivo para o vermelho ter sido limado. Ele só deve voltar a ser uma opção para o SUV na versão Abarth, prevista para chegar ao mercado até o fim do ano.
Os SUVs contam com uma opção extra de cinza (é cinza que não acaba mais!): o Cinza Strato (sólido especial), que tem o tom da moda e é popularmente descrito como “cor de cimento” ou “durepox”.

Por que só cinza?
Todos sabemos que o público brasileiro é bastante conservador quando se fala de cor de carro. Um estudo divulgado em 2022 pela Axalta, uma das maiores fornecedoras mundiais de tintas líquidas e em pó, mostrou que na América do Sul 88% dos carros vendidos em 2021 foram das cores branco, cinza, prata ou preto.
A maioria dos consumidores opta por tons mais sóbrios pensando na hora da revenda. Existe um mito de que carros coloridos perdem mais valor ou então demoram para serem vendidos. É parcialmente verdade: dependendo da cor, a desvalorização pode ser considerável, mas em outros casos é praticamente desprezível. Quase sempre, as dificuldades se aplicam a tons muito exóticos, como o antigo Amarelo Citrus do Novo Uno (o famoso marca-texto).

Não é o caso, portanto, de uma cor como o Azul Amalfi ou mesmo o Vermelho Marsala que o Fiat Cronos ganhou em seu lançamento. Eram tons coloridos até que bastante sóbrios, e por isso não foram tão rejeitados pelo público. De nada adiantou: além de não oferecê-los em outros modelos, a Fiat os tirou de linha sem dó nem piedade.
Ter as opções neutras, sem cor, ajuda a marca a ter maior agilidade na linha de montagem. Como a maioria do público não rejeita essas opções, a Fiat pode adiantar a produção de unidades com essas tonalidades; já os pedidos por cores específicas acabam interrompendo o ritmo de produção.
Além disso, a demanda por tons neutros, pelos motivos já elencados, é mesmo naturalmente maior. Logo, é uma decisão racional ofertar apenas tons acromáticos.

E qual o problema?
A grande questão é que a Fiat, apesar de não ter o mesmo posicionamento que tem na Europa, se diz uma marca “alegre, pop, colorida, espontânea” também aqui na América do Sul. Além disso, prega ser uma marca italiana e quente, que vibra energia e paixão.
Para justificar sua decisão na Europa, a Fiat disse que a Itália é o país das cores e que, portanto, sendo italiana, a marca quer que seus veículos também sejam reconhecidos como os carros das cores — das cores inspiradas nas belezas italianas, inclusive.
Um discurso, portanto, muito mais coerente do que o visto no Brasil. Ainda que seja apenas uma estratégia de marketing. Por aqui, a gama feita de branco, preto e tons de cinza não condiz com o discurso de italianidade e mistura quente do Brasil.

Mesmo no caso de cores que são relativamente bem recebidas pelo público, como o Azul Amalfi, a Fiat não investe na ampliação de sua oferta. A impressão que passa é que a marca não se esforça para mantê-las em catálogo.
Pensando em racionalizar a operação, ela deixa de atender a pouca — mas existente — demanda por tons coloridos, forçando uma parcela dos clientes a comprar um carro com pouca personalidade. Curiosamente, isso vai contra a ideia que a Fiat tanto prega de que seus carros são de estilo e personalidade únicos.
Também não faz jus ao seu passado, já que alguns anos atrás chegamos a ver dez, doze, quinze tons diferentes disponíveis em sua gama — e para quase todos os modelos. Se a Europa conta hoje com quatro opções de azul e três de laranja, por exemplo, antes também tínhamos no Brasil mais de uma opção de azul, vermelho ou amarelo.

Todo negócio precisa equilibrar filosofia e pragmatismo, isso é inegável. E não estou dizendo que a Fiat deveria ser radical a ponto de abolir o cinza como fez na Europa.
Mas é uma pena que, em seu principal mercado no mundo, a marca não esteja nem mesmo tentando atingir esse equilíbrio, quando muitas de suas rivais — até com posicionamento e modelos muito mais conservadores — estejam. Afinal, as poucas cores que existem além de branco, cinza e preto são eliminadas do catálogo após existirem com uma oferta já limitada.
Há muitas coisas que a Fiat da Europa, que parou no tempo, precisa aprender com a Fiat do Brasil. Mas, em termos de cores, podemos definitivamente dizer que é a Fiat do Brasil que precisa aprender com a matriz.