O Fiat Uno vai voltar?

Uno é um nome histórico da Fiat, o que torna inevitável a expectativa pelo seu retorno. (Fiat/Divulgação)

No fim do ano passado, demos adeus a um nome histórico da Fiat. O fim do Uno não foi exatamente uma surpresa, mas nem por isso foi menos sentido por sua legião de fãs ou entusiastas da Fiat — sem contar os milhões de donos que viveram histórias a bordo das diversas versões do hatch.

Justamente por isso, pela força do nome, é inevitável pensar que talvez seja apenas uma questão de tempo para um retorno do Uno. Afinal, trata-se da marca mais forte da Fiat no nosso país — e mesmo na Europa, muito valiosa. Mas, para entender se há chances de o Uno voltar, precisamos também entender por que ele foi embora. Afinal, caso volte, dificilmente será o carro que já foi um dia.

Despedida do Mille, em 2013, provocou reorganização da gama da Fiat — e um novo papel para o Novo Uno. (Fiat/Divulgação)

Um problema que remonta ao fim do Mille

Com o fim do veterano Mille, que teve de sair de cena em 2013 por conta da nova legislação que obrigava todos os carros a serem equipados com airbag duplo e freios ABS a partir de janeiro de 2014, a Fiat precisou se reorganizar. A marca já tinha planos de desenvolver um citycar — o Mobi — , mas a crise econômica desacelerou o projeto, que só viria a ser lançado em 2016. Até lá, a Fiat precisava de uma solução caseira.

Ela lançou uma nova fase do Palio Fire: o carro teve seu interior barateado, com mais plásticos, e perdeu equipamentos. E, enquanto isso, promoveu um facelift que \”pandificou\” o Novo Uno, ou seja, elevou o nível de qualidade de acabamento, com um painel inspirado no Fiat 500L, e o muniu de equipamentos vistosos, como start&stop, câmbio Dualogic acionado por botões e rádio que era \”quase multimídia\”, igual ao do Jeep Renegade.

Com esse facelift, o Novo Uno era reposicionado, mas de maneira bastante estranha: ele, que nasceu para ser um carro barato e era menor do que o Palio, tinha agora mais equipamentos e melhor acabamento — e cobrava por isso, é claro. Jogando na faixa dos R$ 35 mil a quase R$ 50 mil, o Uno estava muito próximo do Novo Palio, com seus preços de R$ 40 mil a R$ 55 mil.

Em 2015, o Uno ganhou um banho de loja e passou a oferecer mais conteúdo que o próprio Palio. (Fiat/Divulgação)

Como o Palio deu o primeiro golpe…

O Palio surgiu em 1996 para substituir o Uno, mas no fim acabou dando adeus antes do compacto que chegou para suceder. Isso não quer dizer, no entanto, que ele não teve seu papel na história do fim do Uno.

Isso porque, depois de 2014, o Palio recebeu ataques de todos os lados — entenda-se, Chevrolet Onix e Hyundai HB20, mas também até mesmo dos próprios irmãos. A concorrência partia para modernidade e competitividade, com uma melhor relação entre preços e equipamentos e a oferta de itens desejadíssimos, como as centrais multimídia.

Aos poucos, ficou claro que a Fiat não atualizaria o Palio: ela já tinha mexido no Uno, dera a ele esses itens. O problema é que o Uno não tinha o tamanho para assumir o lugar do Palio, nem a imagem. A marca queria posicionar o Uno como um carro de transição entre os segmentos A e B, o que sempre foi o papel do Palio. Mas a Fiat nunca conseguiu descolar o Uno da pecha de carro barato, simples, de entrada. Enquanto o Palio agonizava, esperando por um facelift que nunca veio, capaz de dar o banho de loja que o Uno recebeu, a Fiat desenvolvia o Mobi.

…e Mobi e Argo jogaram a última pá de terra

O lançamento do Mobi, em 2016, nada mais fez do que agravar a situação. O hatch, por mais que quisesse ser visto como um \”carro inteligente\” — e não popular, barato —, acossou o Uno. Agora, aquilo que aconteceu com o Palio estava se repetindo com o Uno.

A Fiat resolveu o problema do Palio ao lançar o Argo, mas o estrago feito na imagem do seu então carro-chefe foi tão grande que ela optou por descartar o nome e jogar no lixo uma trajetória essencial: o Argo precisou partir do zero e patinou de um modo que pode ser considerado problemático. Lançado para ser um compacto premium, ele não decolou em suas versões mais caras.

A saída da Fiat foi reposicionar seu lançamento. Ela criou versões mais baratas do Argo, até porque o Uno como um carro de transição, lugar que era do Palio, também não colou. O Uno, que já vivia com o fardo do Mobi, se viu agora pressionado na outra ponta pelo Argo. Resultado? Suas vendas desabaram.

Das 184.360 unidades vendidas em 2013, o Uno entrou em queda livre, passando para:

  • 122.241 unidades em 2014.
  • 79.461 unidades em 2015.
  • 34.626 unidades em 2016.
  • 34.165 unidades em 2017.
  • 15.151 unidades em 2018 — o seu pior ano na história.

É verdade que praticamente todos os carros passaram por quedas em suas vendas, pois o tamanho do mercado brasileiro diminuiu consideravelmente ao longo desses anos. No entanto, essa não é uma boa desculpa para o Uno. Basta ver o ranking para se ter uma ideia de que o modelo perdeu relevância.

Enquanto seus concorrentes se mantiveram no topo, mesmo que tenham se adaptado a um novo volume de vendas, o Uno passou da segunda para a terceira posição, depois para o top 5 e então desabou para, em alguns meses, nem mesmo aparecer entre os cinquenta carros mais vendidos.

Nem mesmo a chegada dos motores Firefly fez o Uno reagir: o público não via nele um carro de transição, como a Fiat queria. (Fiat/Divulgação)

De volta às origens

A solução da Fiat foi retomar aquilo que o consumidor via no Uno, a fama de carro barato e confiável, e então oferecê-lo a empresas. Ela trouxe de volta o motor 1.0 Fire Evo, que havia sido aposentado em 2017, quando o carro foi responsável por estrear os novíssimos motores Firefly aliados a direção elétrica, controles de tração e estabilidade e hill holder, e removeu boa parte desses equipamentos, assim como reduziu a oferta de conteúdo tecnológico na maioria das versões — algumas até deixaram de existir, como a Sporting.

O Uno ganhou uma tímida sobrevida, que o manteve vivo até 2021. Com isso, houve um crescimento nas vendas: em 2019, foram quase 20 mil emplacamentos (ainda assim, menos de 10% do volume alcançado no auge do Novo Uno); em 2020, com o rebranding da Fiat e o lançamento da nova Strada, que levaram de volta o público às lojas da marca, as vendas cresceram um pouco mais e bateram as 22.737 unidades, segundo a Fenabrave. Em 2021, seu último ano de mercado, foram 20.555 carros vendidos.

Porém, o que mais preocupava era que o interesse pelo Uno foi sendo cada vez mais de frotistas e empresas — em sua despedida, 97,7% dos carros vendidos foram na modalidade de vendas diretas (ou seja, para CNPJs, não consumidores), muito acima da média do mercado, na casa dos 40% (no caso de Mobi e Argo, por exemplo, foram 47,91% e 42,53%, respectivamente).

Isso era uma prova de que o Uno não tinha mais apelo entre o público: só vendia porque era empurrado para empresas por preços atraentes.

Uno Ciao é simbólico por não ter deixado a despedida passar em branco, mas o Uno se despediu sem viver uma boa relação com o público — e o valor virou piada. (Fiat/Divulgação)

A Fiat podia ter salvado o Uno?

É provável que sim, mas talvez não fizesse mais sentido ter um carro como o Uno em sua gama. Parece que nem mesmo a Fiat sabia o que fazer com ele, ainda mais depois da crise causada pela pandemia de covid-19 e a criação da Stellantis, que está prestes a lançar um carro com perfil semelhante, o Citroën C3, em um segmento cada vez menos vantajoso, com margens de lucro mais diminutas.

Em dezembro de 2017, o site Autos Segredos chegou a noticiar que o Uno ganharia uma nova geração em 2020. Segundo a publicação, o desenvolvimento começaria em 2018 e o lançamento seria no Salão do Automóvel, que também ficou no passado. A plataforma seria a mesma do Argo, mas com aços de nova geração, mais leves e resistentes, com reflexos em segurança e consumo de combustível. Além disso, o carro seria um dos candidatos a estrear o novo motor 1.0 turbo, que na verdade chegou com o Fiat Pulse.

Certamente o desenvolvimento dessa geração, se é que existiu, foi pausado em algum momento, porque nem mesmo mulas foram flagradas em teste. O próprio Autos Segredos publicou, em 2020, que a produção do carro não estava confirmada para além daquele ano. Em entrevista ao site, Antonio Filosa, presidente da então FCA Latam, declarou:

O Novo Uno continua seguramente neste ano, estamos verificando a possibilidade para que ele continue além de 2020. Temos que colocar conteúdo, tecnologia para que o mercado continue gostando dele.

Filosa estava certo. Do modo como estava, ninguém queria saber do Uno. O problema é que a tal atualização dependia de potencial. Ela só viria se a participação de mercado fosse o suficiente para justificar o investimento necessário para que ele ficasse em produção. E, como sabemos, isso não fez sentido, não com a gama atual da Fiat. Até porque o Mobi também precisava de uma atualização (em 2020, ganhou central multimídia e, agora, controles de tração e estabilidade, além de hill holder).

Outro detalhe é que o Uno passou por dois facelifts e ganhou bastante conteúdo tecnológico neles, mas isso não o impediu de cair no esquecimento. De nada adiantou atualizá-lo, porque seu posicionamento estava errado. Para ser um carro de transição, o Uno teria de ser maior e oferecer câmbio automático. Por outro lado, o Argo também precisaria ser atualizado para se garantir nas versões mais caras e poder de fato ser um compacto premium. Isso sem contar a demanda decrescente por hatches em favor de carros mais caros, especialmente SUVs.

Centoventi será o futuro da Fiat na Europa. Resta saber se receberemos algo dele no Brasil. (Fiat/Divulgação)

Uma esperança no futuro

Guardado a sete chaves, em março de 2019, no Salão de Genebra, surgiu o pequeno e curioso Fiat Centoventi, um simpático carro conceito que roubou as atenções da mostra e se tornou uma das estrelas do evento.

O conceito atraiu tantos olhares porque mostrou o que a Fiat sabe fazer de melhor: construir carros compactos inteligentes, inovadores e que dão o próximo passo com a ousadia tipicamente italiana.

O carro apresentado poderia ser chamado de modular. É aquilo mais próximo do que podemos chegar de um carro elétrico verdadeiramente acessível, porque aposta no decontent. Esse termo é tipicamente usado pelas montadoras para se referir à prática de remover conteúdo de um carro e torná-lo o famoso pé de boi. Mas o decontent do Centoventi é diferente, porque é o que o permitiria levar a eletricidade para as massas: ele vem com uma quantidade limitada de bateria, que pode ser complementada por meio de compra de bateria extra na concessionária ou até mesmo por aluguel — a estrutura do carro permite acoplar peças extras, aumentando a autonomia e barateando o preço de base.

O Centoventi é, nesse cenário, um ensaio para a nova geração do Panda (veja o ursinho panda de pelúcia na apresentação do conceito!). Mas é um hatch maior que o Panda atual, o que condiz com as declarações dos executivos da FCA de que o segmento A seria abandonado — na verdade, a ideia parece ser fazer um carro um pouco maior, que permita trabalhar melhor a relação de valor e, assim, as margens de lucro.

https://www.youtube.com/watch?v=aCcSIfWD76k

Só para termos uma ideia, o conceito tem 3,68 m de comprimento, 1,52 de altura, 1,74 de largura e 2,43 de entre-eixos. Em comparação com o nosso Uno, os números são: 3,82 m, 1,48 m, 1,63 m e 2,36 m, respectivamente. Já o Panda conta com 3,65 m, 1,55 m, 1,64 m e apenas 2,30 m, na ordem. Ou seja, o Centoventi tem dimensões muito estratégicas: é um pouco mais longo que o Panda, bem mais longo do que um Mobi e consideravelmente mais curto do que um Uno — mas ganha de lavada de todos eles quando o assunto é entre-eixos, o que lhe rende um ótimo espaço interno.

Além disso, o DNA do Panda é visto nas linhas do Centoventi, que remetem ao estilo quadradão do design dos anos 1980. É uma proposta para ser funcional: há aproveitamento de espaço e boas sacadas, como a possibilidade de transformar o banco do carona em uma mesa de trabalho dentro do carro. A Fiat Flag serve para indicar o nível da bateria do carro. E há soluções até para frotistas, que podem ganhar dinheiro com anúncios na carroceria.

Uno pode ser o SUV do Centoventi

Panda e Uno sempre foram irmãos, muito parecidos em design e soluções. Por outro lado, o Uno sempre foi maior que o Panda, o que remete à gama da Fiat na Europa nos anos 1980, quando o Panda ocupava o segmento A e o Uno o segmento B — por lá, o Uno foi substituído pelo Punto; por aqui, seria o Palio, mas ele acabou resistindo, sendo realocado para o segmento A.

O interessante é que, segundo Diego Ortiz, em matéria de 2019 do Jornal do Carro, o Centoventi daria origem ao novo Palio:

Em junho do ano passado, ao anunciar que a Fiat teria 15 carros novos nos próximos cinco anos, o presidente da FCA América Latina, Antonio Filosa, disse que “63% dos millennials querem um smartphone com rodas. Nós faremos isso também”. Ele também deixou escapar que esse carro deveria ser a volta do nome Palio ao mercado.

Agora, no Salão de Genebra, a Fiat mostra o Centoventi EV Concept, um modelo urbano totalmente elétrico que será lançado em 2021. Na Europa ele será chamado de Panda (olha o spoiler da carinha de um panda no interior). Mas no Brasil, ele vai ser o responsável pela volta do nome Palio ao mercado.

O projeto de mobilidade que a Fiat tentou com o Mobi vai ser finalmente concretizado com o novo Palio. Ele será o primeiro compacto elétrico em larga escala no Brasil.

Claro, com a pandemia, tudo pode ter mudado — principalmente essas datas. Mas, se o plano ainda existe, talvez ele signifique a volta do Uno, e não do Palio, afinal, o conceito tem muito mais a cara do Uno. Ou… existe outra possibilidade.

Projeção da Autoexpress mostra uma possível versão de produção do SUV inspirado no conceito Fiat Centoventi. (Reprodução/Autoexpress)

Na Europa, já se sabe que a Fiat terá um SUV compacto do segmento B, utilizando a base CMP da PSA. Esse SUV não deve ser tão compacto como o Pulse, e sim um carro mais tradicional, com medidas próximas do Jeep Renegade e do Peugeot 2008. Ele será posicionado abaixo do Fiat 500X, que deve crescer em sua nova geração.

Para saber mais sobre os planos da Fiat, escute o episódio 29:

Esse SUV compartilhará com o Panda a inspiração no conceito Centoventi. Olivier François, CEO da marca Fiat, já declarou que vê a linha da Fiat com uma família mais racional, em complemento à linha 500. Essa família seria a família do Panda, embora os nomes não estejam confirmados. Além disso, ele disse que estuda resgatar nomes do passado para o futuro da Fiat na Europa, em entrevista à Autoexpress.

Foi a partir disso que surgiram rumores sobre a volta do nome Uno, talvez para batizar o \”irmão maior\” do Panda, como nos anos 1980. Só que, agora, ele seria um SUV compacto, e não um hatch. Nesse caso, se o hatch (ou uma versão dele) viesse ao Brasil, poderia resgatar o nome Palio, enquanto o SUV resgataria o nome Uno. É uma possibilidade. Vale dizer que o Autos Segredos diz que a nova geração do Argo já está em gestação — e seria um SUV. Nesse cenário, poderia ser uma versão nacional do modelo europeu, com opções a combustão, mais próximas da nossa realidade.

São muitas peças para esse quebra-cabeça ser montado. Mas uma coisa é fato: o futuro é promissor e há chances de voltarmos a ver \”Fiats europeus\” rodando no Brasil, sejam eles importados ou não. Elétricos ou abrasileirados com motores a combustão e, talvez, sistemas híbridos. Sejam eles o Uno ou não.