Por que o Fiat Pulse é um SUV, você gostando ou não

Fiat Pulse foi apresentado em outubro do ano passado e já emplacou mais de 6 mil unidades. (Fiat/Divulgação)

Como todo grande lançamento, o Fiat Pulse vem chamando bastante atenção. E fazendo sucesso, é claro. Mais de 6 mil unidades já foram emplacadas apenas nos meses de novembro e dezembro, de acordo com dados da Fenabrave — isso, mesmo considerando o cenário de crise de abastecimento da indústria.

Diante de toda a campanha de marketing envolvendo o carro, que começou sete meses antes da estreia, no BBB, e dos preços atraentes da primeira tabela, o Fiat Pulse chamou muita atenção. Bonito, bem equipado e com motor turbo, tão pedido pelo público, o modelo logo virou alvo de grande parcela dos consumidores.

No entanto, a grande aposta da Fiat também está envolvida em polêmicas, sendo a principal delas o seu porte e segmento. Por ser compacto, muitos não enxergam no Pulse um SUV, como foi chamado pela marca. Mas, de acordo com a assepção que temos hoje do que é um SUV, o modelo se encaixa, sim, nessa categoria. A seguir, você confere o que é um SUV e por que o Fiat Pulse pode ser assim chamado.

Prefere ouvir? Escute o episódio 36 para saber mais sobre essa e outras polêmicas do Pulse:

O que é SUV?

De fato, eu concordo com quem diz que o Fiat Pulse não é um SUV. Mas essa afirmação precisa ser melhor trabalhada. Afinal, o que é um SUV? E em qual sentido estamos falando que o modelo da Fiat não é um? É por isso que precisamos entender o que faz de um carro SUV.

A sigla SUV quer dizer \”veículo utilitário esportivo\” (ou Sport Utility Vehicle, em inglês), remontando à ideia dos utilitários usados na Segunda Guerra Mundial — veículos valentes, prontos para encarar qualquer terreno e capazes de transportar carga com robustez. Depois da guerra, eles caíram no gosto do público e foram se tornando cada vez mais \”civilizados\”. Em 1966, com o Jeep Wagoneer, a categoria entrou em um novo patamar, pois esse é considerado o primeiro SUV de luxo.

Jeep CJ-2A foi o primeiro modelo civil da marca, lançado em 1946 nos Estados Unidos. (Jeep/Divulgação)

O problema é que, hoje, o termo SUV foi banalizado. Qualquer carro mais alto, com plásticos sem pintura e pneus maiores, virou SUV, mesmo sem ter as características definidoras do gênero. Os primeiros SUVs nem mesmo tinham carroceria monobloco, afinal, uma de suas características primordiais era a capacidade de carga e a estrutura robusta, para de fato encarar qualquer terreno. Hoje em dia, como sabemos, não é bem assim — até mesmo um carro como o Renault Kwid pode ser chamado de SUV por alguns.

Então, sim, se levarmos em conta essa assepção do termo, também acho que o Pulse não é um SUV. Ele deveria ser tratado como um crossover.

Alto como um SUV, mas com balanço traseiro e formato de hatch: o Fiat Pulse mistura carrocerias. (Fiat/Divulgação)

SUV vs. crossover: qual a diferença?

Um crossover é um carro que mistura elementos de mais de um tipo de automóvel, por isso seria um termo melhor para descrever o Pulse, afinal, ele tem características de SUV, mas também de outras carrocerias, como hatchback.

No entanto, nesse caso, isso não se aplicaria somente a ele. Se nós usarmos essa regra, então quase nenhum SUV à venda hoje como SUV poderia ser chamado de SUV.

Chevrolet Tracker? Não seria. Nissan Kicks? Não seria. Renault Captur? Não seria. Hyundai Creta? Não seria. VW T-Cross? Não seria. VW Nivus? Muito menos. Jeep Renegade? Talvez, dependendo da versão.

Mas por quê?

Porque esses carros não são capazes de enfrentar todo tipo de terreno. Sim, eles podem transmitir robustez, são capazes de enfrentar buracos da cidade e talvez até te levem a alguma estrada de terra no fim de semana. Mas não serão capazes de enfrentar os terrenos acidentados, sob condição severa, que um Jeep Wrangler ou outros modelos da marca nas versões Trailhawk serão capazes de enfrentar. Não conseguirão transpor condições adversas como um Land Rover conseguirá.

Novo Grand Cherokee conta com mais de 40 recursos tecnológicos apenas para o off-road. Isso é um SUV. (Jeep/Divulgação)

Esses carros, na grande maioria, nem mesmo contam com uma versão 4×4! Eles são derivados, em menor ou maior grau, de meros hatches compactos, com algumas mudanças aqui e ali para atender certos requisitos mínimos na hora de apresentá-los como supostos SUVs.

E é por isso que eles se enquadrariam melhor na categoria de crossovers. Porque, veja bem, eles têm, sim, características de SUVs! Mas em partes. O que importa aqui é que, no todo, não são dignos do título pois não atendem à essência do termo. Um Jeep Grand Cherokee traz mais de quarenta recursos tecnológicos apenas para enfrentar obstáculos e terrenos acidentados. Sim, apenas para isso. São aparatos de suspensão, controle do motor e administração de torque que visam única e exclusivamente entregar ao consumidor a real possibilidade de encarar desafios que seriam impossíveis com outros carros. Isso é um SUV.

Portanto, sejamos coerentes. Se você não quer chamar o Pulse de SUV, tudo bem, não chame. Mas você também não poderá chamar Tracker, Nivus, Creta, EcoSport e companhia.

Como um carro pode ser enquadrado como SUV?

Existem requisitos mínimos para que um carro possa ser considerado um SUV e são eles que permitem afirmar que o Pulse é um SUV, bem como os outros modelos citados.

No Brasil, o Inmetro adota a seguinte definição para um veículo utilitário esportivo compacto: “veículo para transporte de passageiros, com área inferior a 8,0 +/- 0,10 m2, desprovidos de caçamba para transporte de cargas”. A portaria número 522, de 2013, estabelece ainda que esses veículos precisam atender no mínimo quatro destes atributos:

  • Ter ângulo de ataque mínimo de 23º, com tolerância de -1º.
  • Ter ângulo de saída mínimo de 20º, com tolerância de -1º.
  • Ter ângulo de transposição de rampa, que corresponde àquela situação em que um carro raspa o assoalho inferior central, entre os eixos, ao transpor um obstáculo, mínimo de 10º, com tolerância de -1º.
  • Ter altura livre do solo, entre os eixos, mínimo de 20 cm, com tolerância de -2 cm.
  • Ter altura livre do solo sob os eixos dianteiro e traseiro mínimo de 18 cm, com tolerância de -2 cm.
Pulse vai bem em todos os requisitos, como ângulo de saída, só fica devendo no ângulo de ataque. (Fiat/Divulgação)

Não se surpreenda, mas o Pulse atende quase todas essas exigências. O SUV da Fiat conta com ângulo de ataque que varia de 20,3º a 20,5º, dependendo da versão; ângulo de saída entre 31 e 31,6º; e ângulo de rampa entre 20,9 e 21,2º. Portanto, ele apenas não contempla o primeiro quesito, pois o ângulo de ataque de 20º é inferior ao mínimo de 22º exigido pelo Inmetro, considerando a tolerância. Ele também está dentro do limite na altura livre do solo quando contemplamos a \”colher de chá\”: tem 19,6 cm, sendo que o vão livre entre-eixos pode chegar a 22,4 cm.

O Fiat Pulse preenche, assim, mais requisitos do que o Chevrolet Tracker, por exemplo, que fica devendo em vão livre do solo (de apenas 15,4 cm) e ângulo de ataque (com apenas 17º). É mais do que o Nivus preenche, também, já que o VW anota apenas 17,6 cm de vão livre e 18º de ângulo de ataque.

Mas o Pulse — assim como todos os outros citados — não atende os requisitos para ser enquadrado como um veículo fora-de-estrada compacto, de acordo com a mesma resolução do Inmetro. Afinal, esse tipo de carro precisa possuir tração nas quatro rodas e pneus de série de uso em todo tipo de terreno, além de características como ângulo de ataque mínimo de 25º, ângulo de saída mínimo de 20º, ângulo de transposição de rampa mínimo de 14º (todos com tolerância de -1º) e altura livre do solo de no mínimo 20 cm, entre outras.

O Fiat Pulse cumpre os requisitos para ser considerado um veículo utilitário esportivo, mas não para um fora-de-estrada. Qual dessas categorias do Inmetro se aproxima mais do conceito de SUV para você? (Fiat/Divulgação)

Então dá para chamar o Fiat Pulse de SUV. Mas depende…

Tudo depende de como você traduz a sigla SUV, não apenas literalmente, mas no uso que vai dar para ela no seu cotidiano. Para você, o que conta é altura e robustez? Então, sim, o Pulse é um SUV. Mas, se para você um SUV só pode merecer esse título se for raiz, então não, ele não é um SUV e se enquadraria melhor sob o título de crossover. O problema é que você precisa ser coerente. Não dá para tratar Tracker e Nivus, por exemplo, como SUV e dizer que o Pulse não é.

Aliás, aqui entra outro fator a favor do Pulse: entre seus concorrentes, é um dos poucos que tem a maioria dessas informações, de modo bastante completo, no manual do proprietário. É, também, é um dos únicos colocados à prova pela própria montadora em um circuito off-road no lançamento do carro — as outras jamais fariam isso. E é o único a contar com o TC+, um equipamento que, é verdade, não equivale a ter tração nas quatro rodas, mas dá um grau de SUV a mais, vamos dizer assim, do que os demais.

Apesar de não ser 4×4, o Pulse encontra alguma assistência off-road no TC+. (Fiat/Divulgação)

O TC+ é um diferencial, porque é um sistema que permite que o Pulse tenha um controle de tração mais agressivo em situações de off-road leve, onde a roda pode patinar e impedir que o carro avance. Com ele ativado, o módulo de freio pode disponibilizar torque frenante apenas na roda que estiver escorregando e transferir a força para outra, capaz de movimentar o veículo. É a mesma tecnologia que já equipa a Fiat Strada e que, mais recentemente, foi incorporada às versões 4×2 do Jeep Compass e da Fiat Toro.

Sem dúvidas, é mais do que muitos outros \”SUVs\” que andam por aí.

\”O Fiat Pulse não é SUV, porque é muito pequeno\”

Esse é um ponto do qual venho tratando aqui no podcast desde a primeira temporada, quando o Pulse ainda rodava como uma mula. No entanto, me impressionou a quantidade de relatos de pessoas que pensaram em desistir da compra por achar o SUV da Fiat muito pequeno, ou como os mais maldosos dirão, um \”Argão\”.

Em primeiro lugar, é bom esclarecer esse parentesco. Sim, o Pulse usa algumas soluções vistas no Argo, em diferentes níveis. Por exemplo, existe um carry-over de peças que são compartilhadas não só com o hatch, mas com quase todos os outros modelos da Fiat, inclusive antigos.

O carry-over, para quem não sabe, é um termo utilizado para descrever o processo de manutenção de componentes de outros carros de uma empresa, que são transportados para um novo modelo. São peças que, na prática, não farão diferença no uso cotidiano e, reaproveitando-as, a montadora corta custos de desenvolvimento e produção que seriam mais elevados se cada modelo utilizasse itens e fornecedores específicos. É o caso dos botões de acionamento do vidro — os mesmos do Argo, mas também do Uno, do Palio e do Linea… É algo natural em toda a indústria.

Há, também, casos de maior semelhança, como as folhas das portas, o teto e o para-brisa, que são os mesmos do Argo — e do Cronos.

Interior completamente novo em relação ao Argo e novas tecnologias que não seriam possíveis no hatch: a Fiat fez investimentos no Pulse. (Fiat/Divulgação)

Apesar disso, o Pulse estreia uma nova plataforma, a MLA (a do Argo, é a MP1, e a do Cronos, a MPS). A Fiat diz que a receita é equivalente à do parentesco entre Mobi e Nova Strada: há peças em comum, inclusive na estamparia, mas a plataforma — ou seja, a estrutura — é totalmente distinta, até porque a picape, por ser um veículo comercial que precisa carregar carga, exige um chassi muito mais robusto.

Então, aqui seria o mesmo. E uma prova disso é que o entre-eixos do Pulse é 1 cm maior do que o de Argo e Cronos, o que não seria possível se a plataforma utilizada fosse a MP da dupla.

Mas que diferença isso faz?

Você pode pensar \”se as peças são as mesmas, o Pulse é, sim, um Argão\”.

Quem diz isso não andou no Pulse ou não andou no Argo, ou vice-versa. Para quem já andou, como eu, que era um dono de Argo Trekking e agora tenho um Pulse, todo esse papo técnico de plataforma é real e faz diferença, sim. Mesmo sendo mais alto e tendo características de SUV, o Pulse não se comporta como um veículo dessa categoria.

Espaço do Pulse é equivalente ao de um hatch compacto premium generoso. Pode não ser grande, mas também não é apertado. (Fiat/Divulgação)

A dirigibilidade do Fiat Pulse é tão gostosa quanto a de um hatch com acerto mais esportivo da marca italiana, como o Palio Sporting que eu tive ou um Argo HGT ou um Punto, como lembrou a Giu Brandão na conversa que tivemos no episódio 35. Para mim, isso é um ponto muito positivo — e fruto direto da nova plataforma.

É ela que é capaz de deixar o carro mais na mão, aumentando a rigidez do automóvel e os níveis de segurança sem perder em conforto, algo muito exigido nos SUVs. O Pulse é um carro mais gostoso de dirigir do que um Argo.

Então por que as peças compartilhadas? Para ganhar escala. A Fiat investiu em um interior completamente novo para o Pulse, o que muita gente esquece quando afirma que ele é um Argão. A Fiat investiu em um painel feito do zero, em novos bancos, em um novo console central e em novos equipamentos que, por conta da plataforma, não são compatíveis com o Argo. Isso tudo tem custos. E eles são reduzidos ao se optar por usar tetos, portas e para-brisa do Argo, que terão uma escala muito maior quando se considera o uso não apenas do hatch, mas também do Cronos.

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“O Nivus é maior do que o Pulse, por isso é um SUV\”

Se o parentesco com o Argo rende o apelido maldoso ao Pulse, o equívoco insistente da imprensa em apontar o VW Nivus como grande rival do SUV da Fiat tem parcela de culpa no fato de acharem o carro muito pequeno. Como disse no episódio 26, essa comparação poderia atrapalhar o lançamento do Fiat. Pois dito e feito, é o que está ocorrendo.

Agora que a ficha começa a cair, quase três meses após o lançamento da Fiat, os jornalistas já estão pendendo para outro discurso. O papo agora é que, na verdade, o Pulse será o grande rival do futuro SUV da Volkswagen que ficará abaixo do Nivus e poderá se chamar Gol.

Com porta-malas pouco maior que o Argo, essa não pode ser uma prioridade para os compradores do Pulse. Mas o que isso tem a ver com ser ou não SUV? Nada. (Fiat/Divulgação)

A verdade é que o Pulse é um SUV praticamente do segmento A, pois tem 4,09 metros de comprimento. Ou seja, por pouco, não fica abaixo da barreira dos 4 metros. Isso quer dizer que ele é bastante compacto, sim, e que está praticamente inaugurando um segmento no Brasil, mas que é muito popular em outros mercados, especialmente na Índia.

A sacada da Fiat foi fazer o Pulse do tamanho de um SUV do segmento A com equipamentos, nível de tecnologia e motor do segmento B — onde estão os SUVs compactos tradicionais, que conhecíamos até então: Chevrolet Tracker, Nissan Kicks, Ford EcoSport e companhia. Isso faz com que o nicho do Pulse atenda um público maior, aquele que quer um SUV de acesso ou que deseja um SUV compacto, mas não liga para espaço e pode se interessar por um carro menor, mas bem recheado e mais em conta.

Gostoso de dirigir, o Pulse é um bom carro. Tem suas falhas, é evidente, mas entrega um conjunto interessante. E é isso que importa, acima de tudo. (Fiat/Divulgação)

O problema é que, mais uma vez, não temos referências assim no Brasil, com exceção dos quase finados Honda WR-V e Caoa Chery Tiggo 2. Isso aumentou a dificuldade em entender o posicionamento do Pulse. Bem como dos demais SUVs da Fiat. O próximo, que será cupê, terá porte dos SUVs do segmento B que já conhecemos, mas equipamentos e motor suficientes para tirar umas lasquinhas dos SUVs médios, como o Jeep Compass e o VW Taos, com a desculpa de ser esportivo.

Se você quer um SUV pelo porte, acima de tudo, talvez o Pulse de fato decepcione, mas a ideia dele é ser uma nova proposta para os SUVs. É como se estivéssemos falando de um SUV subcompacto. Cabe a você decidir se isso lhe atende ou não, mas o tamanho não faz do Pulse menos SUV, pelo menos dentro do conceito discutido aqui. Afinal, assim como podem existir SUVs médios, grandes e compactos, também podem existir SUVs subcompactos, e não há nada de errado com isso, desde que ele se encaixe nas suas exigências.